Em entrevista ao Brasil de Fato, a primeira presidenta da República da história do Brasil, comentou a necessidade de se conciliar otimismo e pessimismo para construir uma oposição capaz de enfrentar a extrema direita.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Assistimos a uma série de tentativas de despejos [de ocupações do MST] no último período e entendemos que essa tática vai continuar. Como você enxerga a centralidade da luta pela terra nessa conjuntura, e como a sociedade pode se mobilizar para ajudar a evitar esses despejos?
Dilma Rousseff: Eu acho que a questão da luta pela terra e a questão da luta pela moradia são as duas grandes lutas no Brasil, porque tratam da distribuição de riquezas. Distribuição de renda é o Bolsa Família e uma série de atividades que nós fizemos, garantindo, por exemplo, reajustes de salário mínimo acima da inflação. Mas o grande passo à frente, o que interessa para a população brasileira quando se fala em distribuição de riquezas é, primeiro, o patrimônio, que é a terra e a moradia, aposentadoria e educação de qualidade.
Nossos governos vinham nessa trajetória de distribuição de renda. Começamos com o Minha Casa Minha Vida, com os assentamentos, a enfrentar a distribuição de riquezas. E acredito que ela vai ser, nesse final de década e na próxima, a questão central no Brasil. Nós não seremos uma nação desenvolvida se não tivermos a capacidade de encarar isso. E [isso] puxa uma série de coisas, por exemplo, a reforma tributária. Uma tributação ultra-concentradora de renda como a nossa é inviável, porque alguém vai ter de financiar. E aí entra o problema dos ganhos de capital, que no Brasil são intocáveis.
Outra questão que vai entrar, necessariamente, é o fato de que há uma brutal concentração de renda e de riquezas nas mãos do setor financeiro no nosso país, como no mundo inteiro. Então, acho que é essa é uma questão essencial, porque ela também é a base de uma maior democratização da nossa sociedade. Caso contrário, vamos ficar no que estamos. Você avança um pouco, eles vêm e tiram o que você avançou. Você vê a concentração de renda do estudo da Ofxam: aumenta a concentração de renda, aumenta a miséria, você volta para o “mapa da fome”… é aquele círculo vicioso.
Enfrentar esses problemas] é crucial para qualquer país virar, não estou nem dizendo um país socialista, mas uma nação que tenha responsabilidade em relação a seus cidadãos e cidadãs.
Qual a sua mensagem de resistência para a militância que está desanimada com relação ao próximo governo?
A alegria é a forma básica de resistência. Um grande lutador de grande valor tem que ter a certeza, a esperança e a força para a luta. E, ao mesmo tempo, a capacidade de análise, um certo pessimismo que a racionalidade dá. Essa combinação, eu desejo para o MST. Essa capacidade de otimismo da vontade e pessimismo da razão. São esses dois juntos que fazem a gente resistir.
A gente tem que ter o pessimismo da razão para superar e supor quais são os cenários possíveis de luta. E, ao mesmo tempo, [o otimismo] é o que faz resistir e sair essa força de dentro da gente, que é sentimento, é a busca por um mundo melhor, é a busca da fraternidade.
O que tem nesse movimento, e nos movimentos de transformação, é uma consciência da fraternidade. O que nos une – e é necessário que seja assim – implica em uma relação em que somos fraternos uns com os outros. Por isso não queremos essa sociedade extremamente competitiva, individualista. Nós queremos a cooperação, os valores que nos transformaram em gente. Porque não nos transformamos em gente por conta da competição feroz. Nós nos transformamos em gente quando começamos a cooperar. E essa fraternidade é o que tem nos movimentos.
E para o MST, eu tenho uma preocupação especial. Ele é o movimento social mais organizado do Brasil. É hora da gente se juntar, nos proteger e enfrentar, porque nós vamos ter que resistir. Todos nós, democratas, que defendemos a população do país e também defendemos a soberania, temos que estar junto ao MST.
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