O corpo, cansado, se levanta vagarosamente e com menos energia. A cabeça
está pesada, e parece pressionar tudo que tem embaixo. Os olhos ardem, o
olhar é perdido, as olheiras se destacam. A pele se arrepia de frio,
mesmo no verão. Prestar atenção no que ocorre ao redor é difícil, que
dirá capturar e reter informações na memória. As pernas se arrastam. O
dia se arrasta. Lá se vão mais 24 horas de desconforto e uma sensação de
que nada é real. “Tudo é uma cópia de uma cópia de uma cópia...”
A noite rende o dia e está na hora de parar as atividades. Mas deitar na cama significa fazer listas:Lista do que é preciso fazer. Lista do que se deixou de fazer.
Lista dos problemas que vai se ter por ter feito (ou não) alguma coisa.
Lista sobre as listas que se cria. O pensamento não para.
Daí vêm os ruídos. Muitos ruídos.
Eles incomodam. Eles se destacam
no silêncio. Eles se repetem, criando uma sensação desesperadora de
permanência. Apagar a luz é dar entrada a mais uma noite de suplício. Ao
longo dos anos, o corpo vai cobrando o preço e as faturas vêm na forma
de aumento da ansiedade, mais irritabilidade, queda na concentração,
obesidade, hipertensão, diabetes, doenças do coração e depressão.
Bem poderia ser pesadelo, mas é a realidade de um número cada vez
maior de brasileiros. A relação entre eles e os respectivos travesseiros
não anda muito boa. O bom e velho companheiro na hora de dormir tem se
tornado um depósito de preocupações e estímulos.
Um total de 69% de brasileiros avaliou seu próprio sono como ruim e insatisfatório, segundo uma
pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente (IPOM),
no fim de 2012. O sono do brasileiro tem sido invadido pelas
preocupações com problemas familiares e financeiros (50%), estresse
(40%) e a dificuldade de se desligar de televisão, celular e internet
(28%).A grande maioria (43%) dorme apenas de 3 a 5 horas, enquanto 36%
dorme de 6 a 7 horas e somente 21% coloca em prática as recomendadas 8
horas ou mais.Em 2007, dormir mal era uma queixa de 55% dos entrevistados, o que
mostra um aumento de 25%. “A média de noites mal dormidas passou de duas
ou três por semana para quatro ou cinco, o que pode causar grandes
prejuízos para a saúde”, afirma Myriam Durante, psicoterapeuta holística
e presidente do IPOM. O estudo foi realizado com cerca de 2 mil
brasileiros, de 20 a 60 anos.
O grande problema de dormir mal são as consequências do dia
seguinte: Cansaço, sonolência e queda de rendimento nas atividades foram
relatados por 82% dos entrevistados que disseram não dormir bem. Pegar
no sono é algo muito difícil para 25%. Acordar e não conseguir voltar a
dormir é uma dificuldade para 18%. Alguns (36%) mencionaram que até
conseguem pegar no sono de novo, mas despertam várias vezes.Os efeitos negativos da falta de um sono profundo e reparador se
arrastam pela vida do sujeito, que entra em um círculo vicioso e fica
mais irritado e estressado, além de ter dificuldades para relaxar, e
assim, conseguir dormir bem, descreve a psicoterapeuta.Entre os jovens, a situação é ainda mais preocupante:
88% deles demonstraram ter um sono ruim ou insatisfatório, de acordo com uma pesquisa de 2015 do Ipom, em parceria com o Instituto Sou +Jovem.
O sono comprometido não é conversa para boi dormir.
Quando não há
qualidade nas noites dormidas, o metabolismo fica desorganizado e a
síntese de alguns hormônios, prejudicada, o que favorece doenças graves
como obesidade e depressão, explica à
Unimed a neurologista Rosa Hasan, responsável pelo Laboratório do Sono do Hospital São Luiz.
Um estudo feito no Cleveland Clinic Sleep Disorders Center, em
Ohio, nos Estados Unidos, com mais de 10 mil pesquisados, mostrou que
pessoas que dormem menos que seis e mais de nove horas por dia sofrem
uma piora na qualidade de vida e índices de depressão mais altos.
De acordo com dados da
Associação de Depressão e Ansiedade dos EUA,
quase três quartos dos adultos dizem que seus problemas de sono
causados pelo estresse provocaram o aumento da ansiedade em suas vidas.
Enquanto dormimos, o organismo realiza funções como fortalecimento
do sistema imunológico, secreção e liberação de hormônios, consolidação
da memória, entre outras, explica um
artigo da revista Espaço Aberto,
da Universidade de São Paulo (USP). O problema é que dormir parece
estar fora de moda. “Dormia-se 9 horas por noite no começo do século 20.
Hoje, este tempo é cada vez menor”, explica à publicação o
pneumologista e diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração
(InCor), Geraldo Lorenzi-Filho.
Dormir bem também possibilita SONHAR e permitir que um universo de
“coisas” aparentemente sem significado tome conta, por um período, de
nossa existência. Os benefícios dos sonhos são variados, explica o
neurologista Leandro Teles, membro da Academia Brasileira de Neurologia,
ao
Zero Hora.
“Do ponto de vista cognitivo, imagina-se que ele tenha funções de
ajustes importantes no aprendizado. Esquecer aquilo que não importa,
consolidar memórias relevantes, organizar os arquivos mentais, etc.
Também é um exercício mental de criatividade, confrontação de dilemas
conscientes e inconscientes, autoconhecimento.”
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