O Brasil tem quase 300 mil agentes comunitários de saúde. São servidores públicos que, juntos atendem a mais de 100 milhões de pessoas, ficando, numericamente, atrás somente dos técnicos de enfermagem como a maior profissão da área. “Eles são heróis da saúde”, diz o administrador de empresas Pedro Marton, 31, que criou o aplicativo
ePHealth com o objetivo de facilitar o dia a dia destes profissionais. Trata-se de um sistema que elimina as fichas de papel com os dados da população coletados pelos agentes, assim como gastos com impressão e armazenamento.
Vamos por partes. A profissão de agente comunitário de saúde foi implantada oficialmente pelo Ministério da Saúde em 1991 com o objetivo de buscar alternativas para melhorar as condições de saúde das comunidades. Eles são responsáveis por coletar dados (aspectos sociais, econômicos, sanitários e culturais) das famílias e repassá-los aos gestores e demais membros da equipe da rede do Sistema Único de Saúde, o SUS. Cabe a eles, por exemplo, verificar se todos os integrantes da família foram vacinados ou se alguém está com uma doença infecciosa, além de acompanhar continuamente a saúde das famílias — o que implica também no registro de nascimentos e óbitos.
Tudo isso era (e ainda é, em muitos locais) feito manualmente, com papel e caneta em mãos. Para organizar uma campanha de vacinação, por exemplo, era preciso checar as fichas para cruzar os dados e verificar quem ainda não tinha sido imunizado. Se uma prefeitura quisesse saber quantas crianças recebiam aleitamento materno, era preciso ir investigar nas pilhas de papeis. Pedro fala a respeito:“Parece muito óbvio que, a essa altura, seria tudo digitalizado, mas não: é uma bagunça generalizada”E prossegue: “O sistema é todo muito fragmentado, embora esses agentes sejam os maiores coletadores de dados sobre a população.” O ePHealth tem ferramentas específicas para controle epidemiológico, por exemplo, e permite o acompanhamento em tempo real da saúde da população (em tempos de febre amarela, é algo bem interessante).Z A ideia de criar um sistema que ajudasse em sua organização não veio ao acaso. O pai do empreendedor, Paulo Pereira, tem uma empresa que trabalha com serviços de tecnologia há mais de 30 anos.
Agentes comunitários de saúde usando o ePHealth em uma campanha contra da dengue em Santana do Parnaíba (SP).
Em 2011, após se formar em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e passar alguns anos tocando o restaurante japonês que abrira na cidade, Pedro decidiu que era hora de mudar.
Ele também queria trabalhar com algo relacionado à tecnologia e acabou na área de novos negócios da empresa do pai.
Foi lá que se deparou com um projeto da prefeitura de uma cidade do litoral paulista que tinha como objetivo encontrar uma forma de controlar os agentes de saúde que iam a campo. Para desenvolver a ferramenta, Pedro também gastou sola de sapato para pesquisar mais sobre a profissão. “Foi aí que percebi que os agentes precisavam de uma ferramenta que os ajudasse — e não de um chicote”, conta. Decidiu, então, tocar o projeto de forma independente, sem se atrelar a gestores públicos.
COMO SUPERAR A BUROCRACIA DO SETOR PÚBLICO
A missão não era simples. “Era um desafio descomunal, com alto risco de dar errado”, conta Pedro. Primeiro, por lidar com atenção primária e saúde preventiva, áreas que historicamente recebem pouco investimento. Segundo, por ter como alvo o setor público, o que consequentemente acarreta em burocracias maiores e mais específicas para contratação ou venda. E, finalmente, por ser uma startup. Na fase inicial, Pedro investiu 30 mil reais no desenvolvimento da tecnologia. Durante sete anos, a ideia ficou incubada dentro da empresa até finalmente ganhar vida própria, há dois, e entrar no mercado há um ano e meio.
A estratégia adotada foi disponibilizar o app gratuitamente para os agentes e cobrar licenças das prefeituras que desejam ter acesso à base de dados simplificada do sistema. Para isso, criaram modelos acessíveis para pequenos municípios, com licenças vendidas a 8 mil reais por ano para cidades de até 80 mil habitantes. Para localidades maiores, a tarifa anual é de 1,50 real por habitante.
“Hoje temos 13 clientes, dos quais 12 são pequenos municípios”, diz Pedro. Entre eles estão São Sebastião da Bela Vista (MG), Juazeirinho (PB) e Mandirituba (PR). A versão gratuita é usada por cerca de 15 mil agentes em quase três mil cidades e a equipe do ePHealth estima que o app já tenha servido para quase 2,7 milhões de visitas no Brasil inteiro.
A interface do app ePHealth, que lucra com a venda de licenças para as prefeituras.
Uma medida adotada por Pedro ao desenvolver seu produto foi pensar em uma ferramenta replicável e fácil de instalar (mesmo à distância) para alcançar o maior número de localidades possíveis e manter uma equipe enxuta — hoje restrita a quatro desenvolvedores.
Encontrar esses talentos, aliás, foi outra grande dificuldade. “Aprendi que além de ser difícil encontrar os talentos certos, uma boa equipe custa caro. É quase como encontrar jogador de futebol: você raramente se depara com um Neymar, mas quando isso acontece, vai fazer de tudo para mantê-lo.”
A escolha pela cidade sede, Florianópolis, também está um pouco associada à busca por um ambiente que favorece a criatividade e o trabalho da equipe. “Aqui tem um colaboracionismo e associativismo que não vejo em São Paulo, somados a um custo de vida menor e com mais qualidade”, diz, chamando a capital catarinense de “Califórnia brasileira”.
ELE PRECISOU TER MAIS FÉ EM SI MESMO PARA EMPREENDER
No entanto, a principal barreira que Pedro precisou superar para levar a ideia adiante foi a autocrítica, como fala:“Eu pensava: tenho 24 anos, quem sou eu para querer tentar resolver um problemão da saúde pública no Brasil? Certamente alguém já fez isso ou deve estar fazendo”
Mas, no fundo, ele conta que sabia que todo mundo diretamente envolvido nesta área está apagando incêndio, sem tempo para pensar em uma aplicação como o ePHealth. Ele defende que é este justamente o papel das startups e áreas de inovação: permitir que alguém de fora tente resolver problemas persistentes em setores que fogem de seus conhecimentos usuais.
O pensamento do empreendedor mudou e, hoje, ele é bem mais otimista — possivelmente influenciado pelo crescimento da empresa, que em pouco tempo de operação passou a faturar cerca de 200 mil reais por ano e está em expansão. “Não fazemos filantropia, mas dá sim para entregar valor, ganhar dinheiro e fazer a diferença ao mesmo tempo”, afirma. “Eu olho para o SUS hoje e vejo que temos algo muito bom por aqui, se melhorarmos um pouco ele pode se tornar um exemplo para o mundo todo.” Organizá-lo é um bom começo — e a tecnologia está aí para isso.